sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Ajudem-nos a ajudar.


Hoje não to inspirado, então vou contar um pouco do meu dia.
Vamos ao que interessa!
Hoje fiz um trabalho de caridade de fotografia (minha profissão) para uma trupe de palhaços que freqüentam hospitais. Eles necessitam de qualquer tipo de ajuda. Eu já fiz as fotos, será que alguém que lê esse blog poderia ajudar com a criação de algum site, alguma idéia, algum centavo, algum cenário, algum brinquedo, alguma oportunidade, algum..., algum..., algum..., alguma coisa? Eu nem sei se recebo visitas suficientes pra isso, mas quem sabe um dia pinta alguém disposto. A questão é que um trabalho que foca o riso, que foca a alegria para libertar as almas sofridas é sem dúvida O MELHOR AGENTE QUE PODE EXISTIR NESSE MUNDO.



Vamos gargalhar, vamos pensar no próximo, vamos fazer palhaçada, vamos comer marmelada mesmo que seja sem graça, não tem problema não, isso não é motivo pra confusão e sim união. Vamos abraçar causas da arte, eles antes de tudo são artistas que deixam de ganhar grana por respeito ao mundo, por amor ao outro. Essas pessoas antes dos magníficos profissionais que são merecem o nosso respeito, o nosso carinho, o nosso incentivo e a nossa ajuda. Eles fazem por amor a arte, pelo amor ao próximo. Isso é o mais importante.

´´Todo olhar triste é renovado quando entra em contato com um nariz de palhaço´´

quarta-feira, 27 de agosto de 2008


Não vês que o olho abraça a beleza do mundo inteiro?... É a janela do corpo humano, por onde a alma especula e frui a beleza do mundo, aceitando a prisão do corpo que, sem esse poder, seria um tormento... Ó admirável necessidade! Quem acreditaria que um espaço tão reduzido seria capaz de absorver as imagens do universo?

segunda-feira, 25 de agosto de 2008


Semeando a semente do meu querer, as árvores que dentro de mim habitam, arvoram, causando o maior alvoroço, tudo tem seu preço, seu gosto, seu tempo, seu gozo.
Pisando numa nuvem de algodão doce eu deixo o mundo mais criativo, com mais sentido. Tento encontrar na fraqueza da minha carne a lucidez do amor.
Quero passear pelo infinito dentro de uma caixa de lápis de cor.
E colorindo instantes, surge um universo feito de curvas.
Onde a reta é dura e inflexível e a curva é o amor.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Uma desventura tic-tac.





São 3 horas da manhã e o sono não chega.
Ele escuta o piano do vizinho do andar de cima . É uma música linda e que não falhe a percepção sonora ele toca Debussy – Clair de Lune.
Entre a pausa de uma nota para outra ouve-se o tic-tac do relógio.
Quero dormir. Quero gritar. Quero dormir.

Travestis passam na rua.


Ele conta carneirinhos, ele conta as estrelinhas do teto.
Ele mora na cidade da alma, onde a estrela amarela brilha e o sol azul emana o seu calor.
O piano toca. Os travestis passam na rua. E o tic-tac do relógio não para.
O piano não toca mais, o pianista, já foi dormir, os travestis encontram as putas na esquina. E entre um grito e outro ouve-se o tic-tac do relógio.

TIC-TAC. TIC-TAC. TIC-TAC.
TIC-TAC. TIC-TAC. TIC-TAC.
TIC-TAC. TIC-TAC. TIC-TAC.


Dormi.

Abstrato



Ausente desta minha presença
Essente!
Vulgo capítulo de um existir carente
Na suprema corte dos deuses indolentes
Vago a vida feito uns vagabundos

No imundo palácio do mundo
(sem sais!)
Onde a palavra não fala…
O canto não canta…
A rima não versa…

E cessa a conversa do sagrado
Na linguagem da filosofia
Pobre porfia da busca real
No imaterial metafísico
Do imanente racional:
Abstrato humano: animal!

foto: Fernando Schubach
obs: todas as fotos que constam nesse blog são de minha autoria ( quando não for, tera o crédito)Elas são protegidas pela lei do direito autoral. A copia é extremamente proibida.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

“Há tolices bem vestidas como há tolos bem vestidos”.



O Ser é a base. É onde ficam o País, a Cidade, o Bairro, a Casa onde nós nascemos, o tipo de Família que nos trouxe ao mundo com Raça, Origem e categoria social e formou a sua educação, seja doméstica, formal pela escola, informal ou social e no que o espelho e a sua consciência revelam e se aceita.

O Ter é aquilo que se agregou a nós, sejam bens materiais ou a bagagem cultural, intelectual ou científica, desenvolvida a partir dos valores que acredita positivos para a sua existência. O Ter é o que nós não temos e acreditamos possuir.

O problema é que, entre o Ser e o Ter, existe o Parecer. Algumas pessoas querem parecer o que não são e o que não têm. É o mundo da aparência, do supérfluo em que uma camisa ou um vestido, por exemplo, é aceite não por sua qualidade intrínseca, mas por ostentar uma marca de alta significação para a imagem de quem usa.

Um relógio, dando outro exemplo, deveria servir apenas para ler as horas, mas pode definir uma posição social de quem, diferencialmente ostenta uma marca famosa. Falo em objetos para não caminhar na senda perigosa da essência, pois aí o terreno é movediço.

A sociedade e, por mais que não queiramos estamos nela envolvidos, cobra o Ser, o Ter e o Parecer.

O Parecer é o reflexo, a imagem que os outros têm de nós, a partir de juízos de valor falsos ou verdadeiros. É aquilo que pode ser fabricado com “marketing pessoal”e o sair de casa, para mostrar-se ou ser visto, compensa o vazio de não poder ficar consigo mesmo e gostar disso.

Algumas pessoas acreditam Ser o que os outros pensam ou dizem delas. Essas pessoas, certamente, ficam à cata do que se chama de validação. A validação, é acreditar no que o outro diz para admitir-se Ser aquilo. Não pesa, para o validado, a referência própria, aquilo que a sua essência profunda diz, mas o que lhe é soprado ou gritado no seu ouvido ou escrito a seu respeito.

Essa eterna questão entre o Ser, o Ter e o Parecer passa, talvez necessariamente, pela maior ou menor capacidade de cada um se auto-avaliar e ver a auto-estima a partir da própria consciência. Mas, descubro ter começado um assunto que não cabe em texto. Bem apropriado, seria um Ensaio ou Tese para os quais, infelizmente, faltam-me engenho, densidade e tempo.

Ainda assim … a mim não me interessam os Rolex, os Jaguar, os Dinheiros. Quanto a mim, cada vez mais me interessa Ver o CORAÇÃO das pessoas;, e mesmo assim quanta vezes me engano!

Foto: Fernando Schubach

Quem quiser ver mais do meu trabalho como fotógrafo.
http://www.flickr.com/krazzy

Rugas



Ora, aqui estão as rugas do meu rosto!
Afinal chegaram!
Entraram sem bater e se instalaram
À inteira revelia do meu querer!
Não vou tratá-las como amigas, não.
(Não são!)
Algumas, se eu tiver sorte,
Pretendo eliminar
Como aos antigos portadores de notícias más.
(Pois rugas falam pelo Tempo e pela Morte.)
Nem vou mentir que me orgulho
Da derrota que me impõem,
Porque as definitivas vitórias serão suas!
Minhas rugas...
Mas preciso aprender
A não ser
Também inimiga do campo da sua conquista:
O meu corpo... a minha alma!
Que eu por inteira seja vista,
Sem me ocultar.
Saberei levá-las pelas ruas
Sob qualquer olhar,
Ante todos os espelhos!
E será como se elas houvessem estado
Sempre comigo: e não me conquistado.
(Terei, ao menos, desmoralizado
A sua vitória.)
E ninguém mais dirá: " Para você o tempo não passa”.
Passa!
Que não me ofenda a negativa.
E, enquanto eu for viva,
Só vou querer, agora,
Receber e aceitar o epíteto
"SENHORA"!

foto: Fernando Schubach

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Você já teceu sua teia hoje? Ande, vamos logo! Levante o rabo da cadeira!



Observo na Teia a metáfora do fazer poético. Tecer é escrever, trabalho árduo; e a aranha: o poeta. A teia - o poema - entrelaçado de um mínimo fio/verso, resistente, atraente, cuja função é abrigar no seu centro a aranha; ocultando o objetivo real: seduzir o inseto para devorá-lo. A teia antes de tudo é útil à aranha. É a natureza da aranha tecer, não uma opção; se é bela, se seduz, não é acaso. O belo é sua estratégia de sedução.

foto de: Adri Souza

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Criatividade

“Para viver no mundo é preciso fundá-lo.
Mas para fundá-lo é necessário, primeiro, estabelecer o seu centro.”
Mircea Eliade

A alma é o elo entre todas as coisas, ela deve estar no centro, como a ponte entre a mente e o corpo, o espírito e a matéria. Ela remete à profundidade, à intensidade, e é uma qualidade da existência, um movimento interior, uma forma de percepção, de reflexão. A alma se expressa em imagens, histórias e sonhos.
A imaginação, que é o próprio discurso da alma e sua atividade essencial, inaugura mundos. Só podemos estar no mundo se formamos uma imagem sobre ele. E através desse olhar próprio e imaginativo – ou psicológico – sobre o que está “fora” é que poderemos enxergar a nós mesmos. O homem vive num universo criado por ele e qualquer visão de mundo é uma imagem dele próprio. O mundo depende da maneira como nós o encaramos. E nós dependemos da maneira como encaramos o mundo.

“Qualquer cosmovisão ou visão de mundo é apenas uma imagem que pintamos para deleite de nossa mente. A nossa cosmovisão não é para o mundo mas para nós próprios. Se não formamos uma imagem global do mundo, também não podemos ver-nos a nós próprios, pois somos cópias fiéis deste mundo. Somente quando nos contemplamos no espelho da imagem que temos do mundo é que nos vemos de corpo inteiro. Só aparecemos na imagem que criamos. Só aparecemos em plena luz e nos vemos inteiros e completos em nosso ato criativo.” (Jung, O.C.VIII-2)


Então é em nosso ato criativo que podemos encontrar nossa identidade. A reflexão, este movimento psicológico que transforma fatos em experiências, o instinto cultural por excelência segundo Jung, abre um tempo e um espaço para a imagem e é esse o original ato criativo do homem. Nós criamos e re-criamos o mundo na medida em que temos um olhar imaginativo sobre ele. Se não tivermos nenhuma imagem ou fantasia a respeito do mundo, então ele está morto. E é no processo criativo e no ato de criar, de imaginar, de ver através dos fatos, de perceber as imagens que vivem sob a aparência das coisas, é nesse relacionamento cultivado com a alma que podemos chegar a nos conhecer. Esta é a obra suprema de todo ser humano que faz de si um homem ou uma mulher. É a opus de cada um de nós. Joseph Campbell fala que é preciso que você tenha um quarto, ou um determinado período do dia, um lugar onde você possa “simplesmente vivenciar e dar à luz aquilo que é e aquilo que pode ser. É esse o lugar de uma incubação criativa. A princípio você pode achar que aí nada acontece. Mas, se você tiver um lugar sagrado e usá-lo, alguma coisa acabará por acontecer” (Joseph Campbell, O Poder do Mito).
Jung, para designar a capacidade humana de criar, usou a expressão “instinto criativo”, ressaltando que este fator psíquico tem uma natureza dinâmica semelhante à dos instintos e uma relação íntima e profunda com eles mas que não é idêntico a nenhum deles. O anseio criativo seria como um complexo autônomo, um impulso forte e arbitrário que brota do inconsciente e vive na alma do homem. Criar é uma maneira de conhecer e tomar posse de si mesmo, fundando um mundo cujo centro é um ponto de vista da alma que é particular, individual e único. É como contar a própria estória para o Universo e recriar uma mitologia pessoal.

“Toda obra humana é fruto da fantasia criativa. O poder da imaginação, com sua atividade criativa, liberta o homem da prisão da suas pequenesas e o eleva ao estado lúdico. O homem, como diz Schiller, ‘só é totalmente homem, quando brinca’.” (Jung,O.C. XVI/1)

E o homem quando “brinca” e tem a capacidade de transformar aquilo que ele conseguiu vislumbrar mediante o contato com o reino das imagens em ação e obra, ele se torna o artista.
O artista é aquele que tem a capacidade de manter vivo o relacionamento com a alma ao aprofundar-se na própria experiência. Ele possui uma permeabilidade que lhe permite tocar no fértil reino das imagens, na substância primordial de que todos somos feitos. E quanto mais ele se aproxima de sua própria alma, mais ele se descobre unido à variedade de espíritos e outros seres, pois todos emanam da alma do mundo. O mundo do artista é povoado de espíritos e ele consegue enxergá-los. Os artistas nos inspiram e nos guiam porque parecem mais sensíveis à música do Universo. “O artista tocou as regiões profundas da alma, salutares e libertadoras (...) onde todos os seres vibram em uníssono e onde, portanto, a sensibilidade e a ação do indivíduo abarcam toda a humanidade.” (Jung, O.C. XV). Por isso ele também desempenha as funções de educador e curador, mesmo que não intencionalmente. Ele pode se tornar o agente de alguma necessidade coletiva pois tem o poder de trazer à tona aquilo que uma determinada época mais precisa. Assim, ele é como um xamã de nosso tempo.
E enquanto ele nos conta sobre esses espíritos e nos relembra justamente aquilo por que mais ansiamos, ele próprio também parece estar buscando a si mesmo na sua criação. Aldo Carotenuto diz que um dos aspectos essenciais do espírito criativo é “uma inexaurível necessidade íntima que estimula a realização de uma obra, na ilusão de que a própria criação possa curar certas lesões interiores” (Aldo Carotenuto, Eros e Pathos). Para ele o artista cria continuamente justamente porque não consegue resolver completamente sua problemática mais profunda.
Enquanto cria, o artista também está buscando um diálogo com a história e a memória da humanidade, e está configurando um universo onde ele próprio tenha o seu lugar, organizando um cosmos ao qual ele possa pertencer. Clarice Lispector fala sobre esta necessidade:

“Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada nem a ninguém. Nasci de graça. Se no berço experimentei essa fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino. A ponto de meu coração se contrair de inveja e desejo quando vejo uma freira: ela pertence a Deus ( ... ) Quem sabe se comecei a escrever tão cedo na vida porque, escrevendo, pelo menos eu pertencia um pouco a mim mesma.” (Clarice Lispector, A Descoberta do Mundo)

A motivação para criar pode vir dessa necessidade de construir ou reconstruir a teia da própria história com imagens que constelam um significado pessoal. “Não tem pessoas que cosem pra fora? Eu coso pra dentro”, Clarice disse. E essa viagem interior se entrelaça com o mundo exterior todo o tempo, pois é justamente para estar no mundo, entendê-lo, viver nele e se relacionar com ele, para amá-lo enfim, é que empreendemos essa expedição.

“Não era à toa que ela entendia os que buscavam caminho. Como buscava arduamente o seu! E como hoje buscava com sofreguidão e aspereza o seu melhor modo de ser, o seu atalho, já que não ousava mais falar em caminho. Agarrava-se ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde ela fosse finalmente ela, isso só em certo momento indeterminado da prece ela sentira. Mas também sabia de uma coisa: quando estivesse mais pronta, passaria de si para os outros, o seu caminho era os outros. Quando pudesse sentir plenamente o outro estaria a salvo e pensaria: eis o meu porto de chegada. Mas antes precisava tocar em si própria, antes precisava tocar no mundo.” (Clarice Lispector, Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres)

Era também para buscar o seu próprio caminho, tocar em si própria e no mundo que Frida Kahlo pintava. Depois de sofrer um acidente aos 18 anos onde foi praticamente esquartejada e que a condenou a conviver com o desmembramento, a desarticulação, a esterilidade, 37 cirurgias ao longo da vida e a amputação de um membro, Frida, através de sua pintura, imprimiu sua história, re-criou seu mundo e lhe deu um sentido e uma identidade:

“Uma vez que meus temas sempre foram minhas sensações, meus estados de espírito e as reações profundas que a vida tem causado dentro de mim, muitas vezes materializei tudo isso em retratos de mim mesma, que eram a coisa mais sincera e real que eu podia fazer para expressar o que sentia a meu respeito e a respeito do que eu tinha diante de mim. Durante dez anos, meu trabalho consistiu em eliminar tudo o que não provinha das motivações líricas internas que me impeliam a pintar.” (Frida Kahlo in Cartas de Frida Kahlo)

A arte nos emociona e a emoção nos move à ação, cria valores, estimula a reflexão mais profunda, ativa a fantasia. A arte, ao vitalizar a alma, nos relembra de nós mesmos. Poderíamos dizer que a arte serve a um propósito psicológico no sentido de alimentar a memória arquetípica e manter vivos e “visíveis” os deuses que nos habitam.

“Quem fala através de imagens primordiais, fala como se tivesse mil vozes (...) eleva o destino pessoal ao destino da humanidade e com isto também solta em nós todas aquelas forças benéficas que desde sempre possibilitaram a humanidade salvar-se de todos os perigos e também sobreviver à mais longa noite.” (Jung, O.C. vol. XV).

Ao sintonizar-se com um espírito criativo a alma é colocada em movimento, anima-se, e o caráter sagrado das coisas comuns se revela. Ao mergulhar na intimidade das próprias “coisas comuns”, escrevendo e pintando sobre elas, essas duas artistas, Clarice Lispector e Frida Kahlo, iluminaram, com a luz de seu espírito criativo, vastas regiões da alma. A busca da própria identidade, o encontro com o homem, a traição, a relação com a morte, com a beleza, com a maternidade, o amor pela natureza, a compaixão pelo mundo, são temas evocados tanto nas telas de Frida quanto nos textos de Clarice. As imagens falam por si e ressoam na alma de quem também tem ouvidos para ouvir a música:



“Pareceu-lhe, então, meditativa, que não havia homem ou mulher que por acaso não se tivesse olhado ao espelho e não se surpreendesse consigo próprio. Por uma fração de segundo a pessoa se via como um objeto a ser olhado, o que poderiam chamar de narcisismo mas, já influenciada por Ulisses, ela chamaria de: gosto de ser. Encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não imaginei: eu existo.”
(Clarice Lispector, Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres)


“- Eu sempre tive que lutar contra a minha tendência a ser a serva de um homem ( ... ), tanto eu admirava o homem em contraste com a mulher. No homem eu sinto a coragem de se estar vivo. Enquanto eu, mulher, sou um pouco mais requintada e por isso mesmo mais fraca – você é primitivo e direto.”
(Clarice Lispector, Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres)


“Pela primeira vez eu sentia com sofreguidão infernal a vontade de ter tido os filhos que eu nunca tivera: eu queria que se tivesse reproduzido, não em três ou quatro filhos, mas em vinte mil a minha orgânica infernalidade cheia de prazer. Minha sobrevivência futura em filhos é que seria a minha verdadeira atualidade, que é, não apenas eu, mas minha prazerosa espécie a nunca se interromper. Não ter tido filhos me deixava espasmódica como diante de um vício negado.”
(Clarice Lispector, A Paixão Segundo G.H.)




“Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece.”
(Clarice Lispector, A Descoberta do Mundo)




“Ter bicho é uma experiência vital. E a quem não conviveu com um animal falta um certo tipo de intuição do mundo vivo. Quem se recusa à visão de um bicho está com medo de si próprio.
Mas às vezes me arrepio vendo um bicho. Sim, às vezes sinto o mudo grito ancestral dentro de mim quando estou com eles: parece que não sei mais quem é o animal, se eu ou o bicho, e me confundo toda, fico ao que parece com medo de encarar meus próprios instintos abafados que, diante do bicho, sou obrigada a assumir, exigentes como são, que se há de fazer, pobre de nós.”
(Clarice Lispector, A Descoberta do Mundo)




“Não, não fui vê-la: detesto a morte. Deus, que nos prometeis em troca de morrer? Pois o céu e o inferno nós já os conhecemos – cada um de nós em segredo quase de sonho já viveu um pouco do próprio apocalipse. E a própria morte.”
(Clarice Lispector, A Descoberta do Mundo)




“Enfeitar-se é um ritual tão grave. A fazenda não é um mero tecido, é matéria de coisa. É a esse estofo que com meu corpo eu dou corpo. Ah, como pode um simples pano ganhar tanta vida? Meus cabelos, hoje lavados e secados ao sol do terraço, estão da seda mais antiga. Bonita? Nem um pouco, mas mulher. Meu segredo ignorado por todos e até pelo espelho: mulher. Brincos? Hesito. Não. Quero a orelha apenas delicada e simples – alguma coisa modestamente nua. Hesito mais: riqueza ainda maior seria esconder com os cabelos as orelhas. Mas não resisto: descubro-as, esticando os cabelos para trás. E fica de um feio hierático como o de uma rainha egípcia, com o pescoço alongado e as orelhas incongruentes. Rainha egípcia? Não, sou eu, eu toda ornada como as mulheres bíblicas.”
(Clarice Lispector, A Descoberta do Mundo)


“Mas é que também não sei que forma dar ao que me aconteceu. E sem dar uma forma, nada me existe. E – e se a realidade é mesmo que nada existiu?! quem sabe nada me aconteceu? Só posso compreender o que me acontece mas só acontece o que eu compreendo – que sei do resto? o resto não existiu. Quem sabe nada existiu? Quem sabe me aconteceu apenas uma lenta e grande dissolução? E que minha luta contra essa desintegração está sendo esta: a de tentar agora dar-lhe uma forma? Uma forma contorna o caos, uma forma dá construção à substância amorfa – a visão de uma carne infinita é a visão dos loucos, mas se eu cortar a carne em pedaços e distribuí-los pelos dias e pelas fomes – então ela não será mais a perdição e a loucura: será de novo a vida humanizada.”
(Clarice Lispector, A Paixão Segundo G.H.)




“Senti-me então como se eu fosse um tigre com flecha mortal cravada na carne e que estivesse rondando devagar as pessoas medrosas para descobrir quem teria coragem de aproximar-se e tirar-lhe a dor. E então há a pessoa que sabe que tigre ferido é apenas tão perigoso como criança. E aproximando-se da fera, sem medo de tocá-la, arranca a flecha fincada.” (Clarice Lispector, Água Viva)




“Tive então um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a mãe de Deus, que era a Terra, o mundo. Por puro carinho, mesmo, sem nenhuma prepotência ou glória, sem o menor senso de superioridade ou igualdade, eu era por carinho a mãe do que existe.”
(Clarice Lispector, A Descoberta do Mundo)

Jung e Arte

"Arte é a expressão mais pura que há para a demonstração do inconsciente de cada um. É a liberdade de expressão, é sensibilidade, criatividade, é vida" (Jung, 1920).

Bem, falar sobre o pensamento "junguiano" ou da teoria "junguiana" quase que somos obrigados a nos remeter à vida de Jung, visto que toda consideração teórica é a posteriori - isto é, primeiro vivemos e depois "teorizamos". Assim sendo eu gostaria de fazer um pequeno apanhado biográfico para percebermos a relação entre "a psicologia junguiana" e o "fazer artístico" ou a "Terapia em forma de arte".

A eficiência do uso terapêutico da arte, está no fato de ser uma expressão da capacidade de "auto-regulação" ou de "auto-cura" da alma. Para Jung a arte em si não são "manifestações" neuróticas da humanidade nem forma de sublimação de uma neurose. Pelo contrario, é justamente a ausência da arte e da religião na vida de uma pessoa um fator importante no desenvolvimento e agravamento das neuroses.

A importância da Arte e da Religião está no fato de serem expressões simbólicas da psique. Para isso ficar mais claro devemos dar um pouco de atenção ao modelo junguiano "funcionamento" da psique.

Para Jung, a psique é formada pela consciência e pelo inconsciente (sendo que o inconsciente possui tanto características pessoais quanto impessoais ou coletivas - que Jung dividiu em pessoal e coletivo). A psique é sistema energético relativamente fechado, caracterizado pela autonomia e pelo movimento constante e dinâmico da energia psíquica entre suas instancias.

No sistema psíquico é imperativo que haja um equilíbrio dinâmico entre o inconsciente e a consciência. O desequilíbrio energético é sempre compensado de alguma forma na busca do equilíbrio. Essas formas de compensação podem ser produções artísticas, sonhos, ou mesmo os sintomas neuróticos. O que chamamos de "neurose" ou mesmo na psicose é quando o equilíbrio fica comprometido, ou seja, quando as tentativas de re-equilibrar o sistema psíquico falham. Geralmente, essa falha ocorre pelo distanciamento entre a consciência e o inconsciente, onde a consciência assume uma atitude "unilateral", ou seja, a relação excessivamente direcionada para o que é "externo" em detrimento ao inconsciente, ou seja do mundo interior. Os sintomas estão ali indicando o caminho. Indicando onde e o que precisa mudado para reorganizar ou re-equilibrar o sistema psíquico.

A forma natural da busca de equilíbrio psíquico ocorre por meio dos símbolos, que permeiam toda a relação psíquica. Os símbolos são os responsáveis pelo processo de transformação ou de passagem da energia psíquica entre inconsciente e a consciência - distribuindo-a de forma a "levá-la à atividade útil". Por isso sempre que falamos em produções do inconsciente - sejam elas sonhos, produções artísticas, sintomas - falamos de seu significado simbólico. Os símbolos são uma forma de acessar o inconsciente.

Para isso ficar mais claro devemos entender um pouco sobre o significado de símbolo para compreendermos nosso contexto. A palavra símbolo tem sua origem no termo grego "symbolon" que significa marca, sinal de reconhecimento, contra-senha que está relacionado ao verbo grego symbállein que é colocar junto, fazer coincidir, juntar. O termo símbolo exprime a união de iguais que foram separados e que ao se encontrarem, se reconhecem tornando-se um.
A função psíquica do símbolo é semelhante à expressa historicamente na cultura: reconhecer e unir. Assim o símbolo é uma ponte que aproxima o inconsciente e a consciência. Igualmente a uma ponte o símbolo possui um lado que fala a consciência e um lado que repousa no inconsciente, por isso um símbolo nunca é totalmente racional, dessa forma, não se pode racionalizá-lo dizendo "Este símbolo significa isso ou aquilo". Quando se atribui um único significado ao "símbolo", ele se torna um sinal, algo próprio da consciência. A diferença entre símbolo e sinal está no fato de que "Um sinal sempre aponta para uma idéia consciente(...) Um sinal é sempre menos do que a coisa que quer significar, e um símbolo é sempre mais do que podemos entender a primeira vista. Por isso não nos detemos diante de um sinal, mas vamos até o objetivo para o qual aponta; no caso do símbolo, porém, nós paramos porque ele promete sempre mais do que revela." Os símbolos surgem espontaneamente do inconsciente.

Todo símbolo depende de quem o vivencia, o que é simbólico para um para outro pode ser algo desprezível. Por isso, via de regra, não cabe a nós julgar o que é simbólica para outra pessoa. Até mesmo alguns símbolos que são "universais", isto é, estão presentes em quase todas as culturas devem ser compreendidos "símbolos relativamente fixos". Pois não se pode dizer como esse símbolo está sendo utilizado por essa psique. Jung diz que dizia a seus alunos "estudem tudo sobre simbolismo, e esqueçam na frente do seu cliente".

Os símbolos podem ser pessoas, lembranças, objetos ou situações que num determinado momento possibilitam mudanças de atitude da consciência frente ao inconsciente. A vivência dos símbolos dá um novo colorido a vida. Segundo Neumann, "Na vida simbólica, o ego não toma um conteúdo, mediante o lado racional da consciência, a fim de analisa-lo (...) mas em vez disso, a totalidade da psique se expõe ao efeito do símbolo e se deixa ´co-mover´ por ele. Essa permeabilidade afeta toda a psique e não unicamente a consciência." Assim, o homem vive no fascínio contínuo da descoberta, pois nada é simplesmente isto ou aquilo. Nada é banal.

A psicoterapia ou análise busca a harmonia entre o inconsciente e a consciência. Ou seja, a psicoterapia em si só é eficaz quando se torna símbolo ou simbólica para o cliente. Acontece que geralmente nesse tornar-se símbolo ou nessa busca "desesperada" pelo equilíbrio surge na terapia o problema da transferência. Para Jung, a transferência é uma expressão do apego à possibilidade da mudança de atitude da consciência. Muitas vezes a transferência é o que "lentifica" ou mesmo atrapalha o processo de transformação da personalidade, ou seja, a psicoterapia, por gerar uma certa dependência com a figura do psicoterapeuta. Visto por este aspecto, o "fazer artístico" confere autonomia ao individuo - pois a responsabilidade e o potencial para a mudança de atitude estão nele mesmo, sem criar a dependência do psicoterapeuta. Atividade criação e transformação dos materiais é simbolicamente a transformação da própria realidade psíquica.

A arte é uma agente de cura quando permite que o indivíduo reencontre os seus símbolos. Ou, em outras palavras, quando a arte se torna o símbolo mediador, ou função transcendente, para o indivíduo - se tornando a ponte entre o inconsciente e a consciência. Permitindo o processo de reequilíbrio psíquico e, mais, o restabelecimento da vida simbólica desse indivíduo, possibilitando a integração e assimilação dos símbolos, fornecendo a energia necessária ao ego, para que possa se diferenciar tanto do que lhe imposto socialmente quanto dos conteúdos inconscientes - como os complexos e arquétipos.

Jung costumava usar uma citação alquímica que dizia "Ars Totum Requirit Hominem" - que é "A arte exige o homem inteiro". Originalmente, essa "arte" referia-se à Alquimia, mas a implicação dela vai além, a "arte" é tanto a própria psicoterapia - que exige o terapeuta inteiro - quanto à própria vida. A psicoterapia, a arte e religião são formas da alma buscar e se fazer total ou inteira através da integração dos símbolos. Uma outra importante citação alquímica utilizada por Jung dizia "Habentibus symbolum facilis est transitus" - "Tendo o símbolo a travessia é fácil". Com a vivência e simbolização da vida a travessia é fácil. conseguimos passar pelos momentos tristes e felizes sem perdermos o encanto pela vida.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O medo.

O medo pra mim é uma interrupção do processo de racionalização. Quando sinto medo, confesso que não consigo pensar em nada, só no medo. Portanto, para mim, o medo não existe na razão. Mas será que é necessário manter a racionalização quando não sabemos o que está acontecendo? Geralmente, quando acontece algo, geramos um preconceito, pensamos, muitas vezes sem saber exatamente o que está acontecendo, e geramos uma espécie de fantasia mental. Normalmente, essa fantasia traz conseqüências. Se estamos numa situação de perigo, acontece algo e não sabemos o que é, é melhor não pensar. O medo é uma força que tem como objetivo evitar perigos de qualquer natureza e funciona como um sinal que interrompe qualquer ação imprudente. O medo é isso e não tem nada a ver com as reações acontecidas ante ele, que, no nosso caso, por razões culturais, não são naturais. Nossa cultura não só não nos preparou para enfrentar o medo, mas também nos ensinou a ter medo dele, e, por isso, reagimos mal. Por um processo cultural diferente, nós encararíamos o medo de uma forma diferente e teríamos reações naturais. Essas reações naturais trabalham a favor do instinto de sobrevivência ( essa termo “instinto” é aceito por JUNG? Sei que Freud não considera os instintos e sim as pulsões), tanto do corpo quanto da mente, como também da psiquê humana.

Nós estamos mal acostumados. Nós fomos educados numa cultura que não nos ensina a lidar com o medo, e sim a temê-lo, mas isso tem um objetivo. Por exemplo, quando a criança não quer comer e a mãe diz: “se você não comer, o bicho-papão vai te pegar”. Quando a criança entra nesse condicionamento, come até qualquer coisa, contanto que o bicho-papão não lhe apareça. E o que é isso? Isso é manipulação. Então, o medo é utilizado como elemento de manipulação para subjugar, escravizar e dominar as pessoas. Mas não é porque o medo seja isso, e sim porque pessoas exploram pessoas e têm utilizado o medo como mecanismo para isso. O fato é que nós acabamos tendo “medo do medo” e, então, para não sentirmos medo, pagamos qualquer preço. Esse é o ponto mais complexo em relação ao medo. Dessa forma, o medo não é ruim, ruim é a reação que geramos ante ele, porque não temos sido educados de forma correta para encará-lo.

O medo é uma força natural, não é o meu ou o seu medo, é o medo. O medo existe de forma independente das pessoas, ou seja, há algo em nós e também fora de nós que se chama medo, e que tem uma função na natureza como poderia ter o Sol, a Lua, a Água, a Terra ou qualquer elemento. O medo faz parte da natureza e tem como função proteger, por incrível que possa parecer.