quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Verdades

As maiores verdades são sentidas e dificilmente explicadas. Igualmente, dificilmente entendidas se as analisarmos exclusivamente pela nossa verdade de princípios, os quais são, invariavelmente, materiais. Precisamos despertar para aceitarmos e entendermos que somos espíritos com experiência humana. Está é a primeira grande verdade. A segunda grande verdade é que o que mais tem valor não se toca, se sente... Qual a cor da felicidade? Qual a forma da saudade? Você já tocou a alegria? Quanto mais nos apegamos à matéria, mais nos distanciamos de nossas verdades interiores. Do Deus que habita em nosso ser. Da alma que deixou de ser espírito. Tudo nela não tem forma, mas faz sentido. Tudo absolutamente ausente de forma, mas rico de conteúdo. É enganoso acharmos que os sentimentos que são a essência de nossa vida, devem ser compartilhados com a posse por quem os nutrimos. Não existe posse no amor, não existe registro na felicidade, nem propriedade na alegria. Devemos simplesmente dá-los, doá-los e nunca fazê-lo por interesse ou necessidade de retorno. Os melhores sentimentos de uma vida o dinheiro não consegue comprar. Logo vem o arrependimento e a ilusão torna-se realidade. Quanto vale o sorriso de uma criança? Qual o preço de um carinho e qual o montante que se pode pagar pela felicidade? Está é a terceira grande verdade. A quarta, aprendi recentemente e quero dividi-la com vocês. Perguntei ao meu mestre sobre novidades em forma e espírito que eu gostaria de conhecer em meu aprendizado... Ele disse-me: "Saul, meu caro, só saber não resolve nada. É preciso praticar. Você mesmo diz que existem pessoas que se aplicassem corretamente 10% do que sabem seriam milionários... Não é verdade? Saber é importante, mas o fundamental é aplicar corretamente o que se sabe. Está é a grande verdade. Não precisamos muito para sermos felizes. Se a humanidade aplicasse só isso: Não faça aos outros o que não quer para si... já teríamos um mundo melhor. Primeiro, aplicar o que sabemos, depois conto mais... Não adianta saber, tem que praticar". Na realidade, não se trata de primeira, segunda ou quarta verdade e assim por diante. São as minhas e não as coloco em seqüência cronológica. Fico feliz e grato por tê-las

Tudo muda. Menos nós

O que é que a gente mais quer na vida? Em primeiro lugar, ser amado, em qualquer sentido - e de preferência, em todos. Um certo ar de afeto, mesmo que não seja nem muito sincero nem muito profundo, é fundamental, seja nas relações sentimentais/amorosas, nas de amizade ou no simples olhar do vendedor da padaria. E quem não consegue despertar afeto em ninguém, se contenta em ser bem-tratado. O que fazer para ser bem tratado? Uma das maneiras mais elementares é pagando - cash. Faça uma experiência: quando chegar num grande hotel de uma grande cidade, ponha, mais ou menos discretamente, uma nota de US$ 50 na mão do porteiro; ele lhe dirá o mais lindo bom-dia que você jamais ouviu, com o mais lindo dos sorrisos. Se depois de três dias você estiver se sentindo pouco triste, precisando de um olhar caloroso, já sabe: mais 50. Se estiver mesmo no fundo do poço, é fácil: com 100 você resolve qualquer problema de eventual carência afetiva. Dinheiro, como disse Nelson Rodrigues, compra tudo, até amor verdadeiro. Mas existem outras maneiras de tentar ser bem-tratado: agradando muito, tendo sempre na ponta da língua um elogio ao penteado novo, se for mulher, à gravata, se for homem, e sobretudo concordando com tudo que o outro diz. É bom que a conversa comece sempre com uma pergunta: "o que você achou do novo plano de Fernando Henrique?" Sua opinião - aliás desnecessária - vai depender da opinião do outro, você estará de acordo com tudo, e os dois serão felizes para sempre, o que não impede que 10 minutos depois você não esteja fazendo a mesma pergunta e concordando - claro - com o ponto de vista oposto. É tão mais fácil viver assim, mas tão mais fácil, que não dá nem para acreditar que exista gente que tem suas próprias opiniões. Está provado que isso quase nunca dá certo. Outra maneira de procurar ser bem-tratado - sobretudo quando se fala de amor - é tratando o outro sempre muito bem e procurando, na medida do possível, adivinhar seus pensamentos. Isso não é senão uma maneira hábil de tentar provocar o mesmo tipo de tratamento - o que, aliás, nem sempre acontece. Nem todas as pessoas suportam ser bem-tratadas, e algumas só funcionam no tranco. Não? Então ponha a memória para funcionar e responda com honestidade. Quantas vezes você foi espezinhada e machucada por um homem e continuou louca por ele? Quantas vezes já ouviu falar de mulheres que fizeram horrores com seus namorados, e eles ali, de quatro, pedindo de joelhos para elas voltarem? Quantas vezes soube de homens e mulheres que depois de terem sido não só traídos - o que, aliás, é o de menos - mas também desprezados, particular e publicamente (bem mais grave), não sossegaram até ter a pessoa de volta, jurando nunca mais falar sobre o passado? Ó vida. Não há regra fixa, claro, mas um casal é como uma balança e, se um dos pratos desce, o outro automaticamente sobe. Experimente fazer todas as vontades de seu parceiro: em pouco tempo ele/ela será o dono(a) da situação, e ai de você se ousar sugerir um restaurante para o almoço dominical: quem está por cima segura as rédeas, e depois que se habitua, dificilmente abre mão de seus privilégios. As histórias costumam se repetir, e quem se habituou a viver com a rédea curta - para dizer o mínimo - é porque gosta. E você, o que prefere? Olhe para trás, lembre-se de antigos episódios, e responda: não é sempre o mesmo filme, que troca apenas de personagem? Costuma ser, e tem mais: quando se consegue encontrar alguém que parece ser exatamente o contrário do anterior, não se sossega enquanto não se transforma esse alguém em alguma coisa muito parecida com o ex, para poder continuar vivendo da maneira que mais gostamos - e assim la nave va. Bem monótona a vida, às vezes; no fundo no fundo, quase sempre igual, mas sabe de quem é a culpa, sempre? De nós mesmos, que não conseguimos mudar. Ou, vai ver, não percebemos; ou não queremos, sei lá.

Pensar Doi?

Tenho encontrado com freqüência pessoas que estão perdendo o hábito de pensar. Muitos são jovens que parecem ter os cérebros desligados ou no piloto automático. Chega a ser assustador. Pensei a respeito. Levamos uma vida ocupadíssima. Temos pessoas com as quais lidar... Decisões a tomar... Estratégias a desenvolver e monitorar... Planos a implementar... Conflitos... Negociações... Acordos... Valores a trocar... É preciso pensar para fazer acontecer. Fui pesquisar sobre esse ato saudável que é o pensar e encontrei algumas definições interessantes. Uma delas diz que o propósito do pensar é arranjar o mundo em nossa mente de forma a poder aplicar a emoção efetivamente. Por mais racionais que sejamos, no final é sempre a emoção que faz as escolhas e toma as decisões. A gente examina os dados técnicos, compara os atributos, chora o preço, olha prá força do motor, pergunta sobre o sistema de suspensão mas, no final, escolhe o carro que quer comprar pela emoção. É o desenho do carro, a sensação que ele traz, a impressão que causa, que acabam determinando a escolha. Pura emoção. É assim também com o livro que vamos ler, a pessoa com quem vamos casar e até mesmo o fornecedor que vamos contratar. Por mais fria que seja a análise, no fundo é a emoção que faz a diferença. É por isso que as empresas hoje em dia gastam dezenas, centenas, milhões de reais em sistemas e processos que tentar recriar aquilo que meu avô sabia em 1925: chamar o cliente pelo nome, saber do que ele gosta, avisar quando a mercadoria certa chegou... Hoje chamam isso de CRM - customer relationship management, não é chique? Custa um monte de dinheiro. Tentam fazer com que os computadores atuem sobre a emoção das pessoas. Não é o máximo quando chega o cartão da loja comemorando seu aniversário? Quando você liga para aquele 0800 e a pessoa pergunta sobre seu time do coração? Pois saiba que são os truques do marketing que tentam fazer com que você oriente sua emoção para escolher aquela empresa. E quando a gente não pensa, é isso mesmo que acaba acontecendo. Deixamos que vendedores competentes manipulem nossas emoções e consigam que façamos o que eles querem. É assim que hoje elegemos políticos... Quando começamos a pensar, a refletir, deixamos de ser uma manada de bovinos resignados e passamos a agir como gente que tem vontades. Gente que observa, julga e toma suas escolhas conscientes. Gente que arranja o mundo em suas mentes para aplicar a emoção de forma efetiva. Pense nisso. Pense.

A inveja

A inveja é um sentimento intrigante. Apesar de todos nós o experimentarmos, ninguém gosta de reconhecer quando o está sentindo. Afinal, é um sentimento controverso: indica que algo positivo desperta algo negativo. Vamos imaginar uma conversa entre pessoas que estão "jogando papo fora". Do nada, alguém começar a falar das coisas boas que estão lhe acontecendo. Quantos rostos e mentes diferentes surgem naquele momento! Poucos expressam interesse real e se regozijam com sinceridade. A maioria irá sentir inveja, mesmo que não se dê conta... Alguns expressam sua inveja com brincadeiras de "mau gosto". Outros, calados, costumam pensar: "Como ele é exibido e gosta de contar vantagem!". Já aqueles que não conseguem conter o ardor da inveja a queimar o seu interior, passam a criticá-lo, com a intenção de depreciar abertamente a sua boa sorte. Há ainda aqueles que passam a dar conselhos para ajudar aquela pessoa de sucesso a garantir o seu triunfo. O clima pesa, pois não há mais empatia entre as pessoas. Provavelmente, muda-se de assunto. Pois a essa altura da conversa todos estão sofrendo: quem contou sente-se só e arrependido. Quem escutou, agora sente-se incomodado, inquieto e talvez nem saiba porquê. A inveja é destrutiva, tanto para quem a sente quanto para quem a recebe. Quem já não vivenciou um mal-entendido quando alguém resolveu dar boas notícias! O senso comum concorda que é melhor se precaver: "Inveja traz mau-olhado. Quando estamos vivendo uma situação muito boa é melhor calar". Olho-gordo é um nome popular para a inveja. Pois quando o invejado toma para si as projeções negativas do invejoso, acaba por concretizá-las. O tema que evoca a inveja é sempre alguma coisa que poderia revelar o que está faltando na personalidade daquele que a sente. É como se o invejoso falasse em voz alta algo que o invejado não gostaria que jamais viesse à tona. Neste sentido, para não se deixar contaminar pelo veneno do invejoso, o invejado deve observar com honestidade sua reação frente ao ataque do invejoso. Se ele estiver livre das questões expostas pelo invejoso, sua clareza de intenção irá protegê-lo do possível ataque do "olho-gordo". Quando somos criticados por avaliações contaminadas pela inveja, podemos nos sentir injustiçados e vulneráveis frente ao ataque externo. Neste momento, é bom lembrar que é praticamente impossível ser compreendido por todos, assim como é inviável agradar a gregos e troianos. O importante é mantermos o foco em nossas metas para não nos contaminarmos pela inveja alheia, pois ela sempre estará presente, de uma forma ou de outra. A inveja surge do sentimento de que somos incapazes de viver nossos próprios sonhos, de alcançar nossas metas e realizarmo-nos. Por isso, o exemplo daqueles que realizaram algo nos faz lembrar aquilo que não fomos capazes de fazer. No entanto, muitas vezes a sensação de incapacidade, a matriz da inveja, deve-se à escolha inadequada de metas, como desejar algo que não está ao nosso alcance. Em geral, costumamos não valorizar as coisas que já realizamos e assim cultivamos a sensação de desvalia sem nos darmos conta de nosso próprio valor. Neste sentido, a inveja consome o invejoso, porque o faz dar valor apenas ao que está além de seu alcance. A inveja é um dos sentimentos mais difíceis de serem aceitos pelo ser humano, pois na maioria das vezes é inconsciente. Isto ocorre porque ela se forma muito cedo em nossa vida. A inveja surge nos primeiros meses de vida na relação com quem nos alimenta! Quando queremos mais alimento e não temos, não toleramos a frustração, ficamos com raiva de quem tem o alimento. Com inveja dele, queremos destruí-lo. Como podemos constatar, a inveja é um sentimento primitivo, pouco elaborado. Ela está baseada no sentimento de inferioridade, adquirido pela comparação que se faz com outra pessoa em algum aspecto específico. Assim como escreve Elisa Cintra em Melanie Klein "Estilo e Pensamento" (Ed. Escuta): "'Quem desdenha quer comprar', diz o ditado: a inveja é quase sempre detectável na vida cotidiana por esse trabalho de desvalorização do outro, o que também foi narrado pela fábula da raposa e das uvas. Impossibilitada de ter acesso às uvas, a raposa começou a tecer considerações sobre a falta de valor dos frutos, o fato de estarem verdes... A inveja dirigiu-se aos frutos, isto é, à criatividade da árvore, àquilo que ela pode oferecer e criar. A idéia de 'frutos' permite que se lembre a inveja da obra do outro, de suas idéias, de seu trabalho e de sua capacidade de criar obras de arte ou científicas. Entretanto, a inveja vai mais longe: além de depreciar os frutos, ela tenta diminuir o prazer da própria situação de gratificação, como na expressão popular 'não dar o braço a torcer', admitir o poder do outro." As impressões registradas no psiquismo durante os primeiros meses de vida são de grande relevância para o desenvolvimento posterior. Quando a criança não consegue sentir que é capaz de modificar seu ambiente (quem a alimenta), fica com um sentimento "eterno" de impotência: um sentimento profundo de inadequação e insuficiência. Esta é a base da inveja: supervalorizar os outros (que podem, segundo a fantasia do invejoso, fazer tudo) e esvaziar a si mesmo (que é inferior porque não pode fazer nada). Assim, nasce o desejo de esvaziar o outro para que tudo fique igual e ele não fique só. Segundo o psicanalista Mário Quilici, a inveja dá-se em quatro fases especificas: 1- Primeiramente, o indivíduo olha um objeto, situação ou um traço de alguém que imediatamente admira. Compreende a importância daquele traço para ele. Ou seja, vê, admira e deseja. 2- No momento seguinte, faz uma comparação entre o que o outro tem e o que o indivíduo não tem. Ele toma consciência de uma falta sua porque já discrimina. Aqui o processo cognitivo é importante. 3- Aí se dá o terceiro momento da inveja, que é a percepção - e ao mesmo tempo a vergonha - de uma falta nele do que foi admirado (e valorizado) no outro. Surge aí, também, a constatação de que aquilo que desejou, é impossível de ser obtido por ele. 4- Logo estamos na quarta e última fase: A inveja é disparada pela percepção de uma falta no indivíduo. Essa insuficiência faz com que ataque e conseqüentemente espolie o objeto invejado para fazer desaparecer a diferença que foi percebida. Numa luta secreta e constante, aquele que se sente insuficiente tenta esconder sua vergonha de ser incapaz. Assim, procurando evitar qualquer situação que o faça sentir mais humilhado, ele ataca antes de ser atacado. Isto é, ele compete sozinho. A competição é um hábito do invejoso, pois ele tem dificuldade de receber ajuda, fazer junto e cooperar. O invejoso sente, tem até mesmo dificuldade de receber presentes, pois ele teme qualquer situação que revele sua auto-imagem de carência e necessidade. Por isso, quando os recebe, procura sempre retribuí-los logo. Muitas vezes, a dificuldade de delegar tarefas também pode estar relacionada à inveja. A inveja impossibilita o sentimento de gratidão. Isso ocorre porque o invejoso é incapaz de sentir que o outro lhe dá algo de bom grado e sim, o faz por necessidade de humilhar o invejoso. O Novo Dicionário Aurélio explica: "Inveja é o desgosto ou pesar pelo bem ou pela felicidade de outrem. Um desejo violento de possuir o bem alheio". Já o Dicionário de Psicologia Dorsch esclarece: "A inveja pertence aos sentimentos intencionais. É uma insatisfação, o aborrecimento com a alegria do outro". Portanto, aquilo que é invejável é encarado como algo de muito valor. Se prestarmos atenção às qualidades do objeto, pessoa ou situação pela qual sentimos inveja, poderemos compreender melhor o que nos sentimos incapazes de conquistar. Neste sentido, a inveja é um espelho que revela uma parte de quem somos, onde estamos e para onde queremos ir. Saber para onde queremos ir é a condição básica para sair da imobilidade. Por isso, se aprendermos a reconhecer os padrões emocionais que sustentam nossa inveja poderemos torná-la um método eficiente para diagnosticar nossas faltas. Desta forma, poderemos transformar a inveja numa força inspiradora de conscientização, no lugar de um sentimento apenas desagradável. Reconhecer para onde queremos ir é um estímulo para tomarmos uma atitude proativa diante de nossas dificuldades. Talvez não possamos modificar nada ao nosso redor. Mas se pararmos para aprender com nossos sentimentos negativos, poderemos mudar a nossa atitude mental e atrair o novo para nossa vida. Thomas Moore faz um comentário interessante em seu livro "Cuide de sua alma" (Ed. Siciliano): "Por um lado, a inveja é o desejo por alguma coisa, e por outro, é uma resistência ante o que o coração realmente quer. Mas inveja, desejo e abnegação trabalham juntos para criar um senso característico de frustração e de obsessão. Apesar de a inveja ter um ar masoquista - a pessoa invejosa acha que é uma vítima de má sorte -, ela também envolve forte vontade na forma de resistência ao destino e ao caráter. Quando invejosa, a pessoa torna cega a sua própria natureza. [...] O verdadeiro problema da inveja não é a capacidade do indivíduo viver bem, é a sua capacidade de não viver bem".

A renúncia

Ensinava o grande Albert Schweitzer, que herói não é o homem da ação. Herói é o homem da renúncia. Portanto, grandes não foram Napoleão, Hitler, Stalin, Bismark. Grande foi Jesus, Francisco de Assis e o próprio Schweitzer, que, um dia, resolveu deixar o conforto da Europa civilizada, para enfrentar a selva africana, onde foi cuidar dos negros famintos e doentes. Mas a gente costuma valorizar os homens de ação, os homens práticos que fazem o progresso material e as guerras. Para eles todas as homenagens. O ato da renúncia é mais louvável do que o ato do apego. E a gente vive, o tempo todo, se apegando às coisas, às pessoas, aos lugares, como se essas coisas, essas pessoas, esses lugares estivessem, sempre, à nossa disposição. O medo que estamos sentindo, freqüentemente, é o medo das nossas perdas. Perda da mocidade, perda do dinheiro, perda da saúde, perda do prestígio, perda do amor, perda do emprego, perda da amizade. Renunciar é, sobretudo, um ato de coragem. E poucos conseguem praticá-lo. É fácil apegar-se. Difícil é desapegar-se. E eu estou, agora mesmo, me lembrando daquele encontro de Jesus com o moço rico, que desejava ir para o céu: "Mestre, o que é necessário para alcançar a vida eterna?" O rapaz possuía muitas propriedades, muito dinheiro e era religioso, pois cumpria todos os mandamentos da lei mosaica: não mentia, não roubava, não caluniava, não pronunciava o nome de Deus em vão. No conceito dos homens, era um bom moço. Jesus veio, então, com aquela recomendação que valeu por um difícil teste: dá tudo o que tens aos pobres e terás o paraíso. Aí o moço baixou a cabeça e saiu, envergonhado, sem dizer uma palavra. O preço do paraíso era muito alto. Renunciar aos bens, aos interesses mundanos, jamais. Foi difícil formar um patrimônio; porém, mais difícil, ainda, foi renunciar, ou melhor, desapegar-se. Não vamos interpretar o episódio ao pé da letra. A renúncia que Jesus queria era a renúncia ao apego, porque o apego é o que nos escraviza, é o que nos preocupa, é o que nos angustia, é o que nos torna infelizes, deprimidos, egoístas. Não é o ato da renúncia que importa. O que importa é o espírito da renúncia. Você pode ter muitos bens e não ser apegado a eles, desde que se conscientize de que tudo passa, de que tudo nos chega como empréstimo, porque chegará, um dia, em que teremos de abandoná-los. Ninguém é proprietário de nada, a não ser de sua própria consciência. É difícil renunciar. Até mesmo a um simples cigarro. Rico é aquele que é pobre de necessidade - escreveu um grande pensador. Parafraseando, diríamos: rico é aquele que é pobre de apegos. Renunciar ao ódio, à vingança, aos vícios, aos ressentimentos, à inveja, eis aí o grande heroísmo. Afinal, como devemos viver no mundo? Paulo de Tarso tem a receita. Ei-la: "viver como possuindo tudo, nada tendo, com todos e sem ninguém".

Humildade & Humilhação

Um das máximas tradicionais estabelece uma abordagem metafórica do conceito de humildade na relação entre o tronco da árvore de sândalo e o machado.

"Seja como o sândalo - que perfuma o machado que o fere." - diz o ditado.

A frase enseja algumas reflexões: por um lado pode veicular a idéia de que aquele que fere alguém levará consigo, por muito tempo, a lembrança do fato, ou o sentimento de culpa, o tormento, etc. Por outro lado, a mensagem mais recorrente com que temos deparado é a da humildade: a reação do sândalo frente ao machado que o fere seria de humildade, um sentimento de nobreza, de perdão, cristão em essência.

Entretanto, existe uma tênue - mas fundamental - linha que separa os conceitos de humildade e de humilhação.
Não estaria o sândalo sendo vítima da humilhação pelo machado? Da humilhação levada às últimas conseqüências...

Naturalmente, a resposta é discutível e de difícil consenso, porém nos remete à reflexão entre essas duas contingências, de etimologia semelhante, mas de acepção diferenciada: humildade e humilhação.

É uma atitude de nobreza de caráter ser humilde de coração, mas a humilhação merece repúdio, porque esta provém da prepotência, da intolerância - condições desprezíveis por princípio.

Um ato de sincera humildade tende a revelar um caráter nobre.
Uma atitude de humilhação pode desvendar um caráter podre.

Em síntese:
Humildade, sim.
Humilhação... jamais!